segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Aço. Braço. Trabalha o homem sobre o mormaço da terra seca.
Árida fisionomia, áridos beiços. Amargos beijos.
Joelhos ralados, rachados sertões.
Acordeons e rabecas - haxixe do sertão.


O gato



Já percebeste como o gato é irritantemente gato?
Na sua languidez espichando o corpo e alongando a coluna em um gesto aristocrático e quase sensual?
Já reparaste , mesmo por baixo, só olha por cima?  Decreta-se em seu olhar o sobrerano da sala, do quarto, da casa, do tapete.
No seu bocejo e suspiro treina a sua técnica vocal sorrateira.
Vive aos pés da dona, mulher solitária e que fácilmente deixa-se dominar por tal figura. Dengoso e safado só quer o seu contrato.
Culto, o sujeito vive deitando-se sobre livros e revistas.


Há quem diga que tudo é apenas lábia do gato. O que ele gosta mesmo é de virar lata e lambuzar-se ao clarão da lua.
Um típico integrante da família burguesa. Um don juan de meia rua.



Dos Livros que não li

Dos livros que não li
Das cores que não pintei
Dos discos que não ouvi
Das saias que não usei

Dos meninos que não vi
Das meninas que não brinquei
Dos filmes que não assisti
Das poesias que não publiquei

Dos lírios que não olhei
Das prosas que não cultivei
Dos pecados que não consumi
Das páginas que não risquei

Dos amores que não amei

                       ... fostes o que mais esperei.
                                                   [e espero].

sábado, 24 de março de 2012

Relato íntimo








 

Olhei pra o tempo. Pensei em tudo que é possível viver, dei-me conta que estava destinada à desgraça de viver com a presença da morte constante,a morte dos momentos bons, a morte da minha voz, a morte de quem eu amo, o falecimento progressivo. Estava fadada à nostalgia. Lembrei-me de quando eu andava por uma estradinha perdida que ligava duas cidades serranas. Havia chovido e tudo estava tomado por um ar inebriante. Um cheiro bom de bananeira e marmeleiro chegava às narinas, plantas verdíssimas orvalhadas compunham a paisagem, era gostoso de ver. Na minha caminhada avistei uma espécie de pequeno bangalô caiado - aquilo  deveras me despertou curiosidade tremenda. Subi as escadas deterioradas, cheias de galhos e flores molhadas. Os portões estavam quebrados, lá dentro, tudo abandonado. Senti aquela coisa estranha, coisa que se sente quando acha-se algo antigo, perdido, fiquei imaginando o aconteceu naquele local há anos atrás, as pessoas que por lá passaram, agora palmos abaixo do chão. Da sacada, observei uma construção antiga, Jesus  crucificado , com o rosto tomado de lodo esverdeado e a expressão melancólica, colunas no estilo romano , em uma placa três retratos antiguíssimos , sob moldura clássica e bronzeada.Atravessei a rua e quando avistei de perto vi que tratava-se de um mausoléu construído em 1941. Lá estava o casal Arruda , primeiro morrera a mulher , dias depois , sem motivo aparente , o marido, e lá foram os dois enterrados.
Acontece que hoje, veio-me à mente tanta coisa. Na verdade, pensei nos meus romances que nunca acabavam, na prisão que vivemos, em como o mundo castiga a gente. Precisei deitar a cabeça no travesseiro e chorar feito criança. Não aconteceu nem um evento que me abalasse especificadamente, mas algo me dói fundo. Por impulso, a dor física vinha. Morder lábios, arranhar a epiderme das cochas, do peito, da alma. Foi dor, prazer, tristeza. Eu ouvia uma música que falava do desespero de uma mulher sozinha, a voz doce de Calcanhotto cantava :

Estou em milhares de cacos
Eu estou ao meio
Onde será
Que você está agora?


Era assim que eu me sentia, em milhares de cacos. Cacos que refletiam um ser que carregava todas as mazelas em si. Tomei toda a cama para mim e joguei Durkheim ao chão. O Silencio de Beethoven tomou meu quarto. De repente senti-me flutuar em um lago, um lago no meio de um jardim de Monet. Senti-me moçoila nos anos 30, com toda a pureza e inocência que uma moçoila de 30 carrega no coração. E flutuei por tempos, até que resolvi sair e à beira do lago estavam àqueles sapatinhos de que eu tanto gostava. Bebi uma água límpida em um chafariz disposto em frente a uma casa de portão alto. Tudo como se fosse uma tela de Monet. E senti-me tão bem. E senti a recompensa do sofrimento.
Mas sai do quadro , levantei , me olhei ao espelho. Passou por meu pensamento a imagem do que eu seria daqui a alguns anos, provavelmente o mesmo do que eu sou agora, mas já cansada, acabada, falida, bêbada. Não deixei o pensamento me assombrar. Entrei pra debaixo do chuveiro, agora sob a melodia de Piano Nocturne, senti a água escorrendo pela minha face. Piano Nocturne ... está entranhado em mim, como o fedor humano.Não , não posso compará-lo à isto. Como o frescor feminino, sim.
Lá fora, chamavam-me, ignorei. Deixei o chuveiro gotejar e acompanhei o caminho da gota até chegar a minha pele e toca-la em arrepio. Dançava a melodia suave de Chopin. De uma hora pra outra o pingo engrossou e agrediu-me.Vi que era hora de parar. Nunca acontecera aquilo comigo. Momentos de “crise” costumam perdurar-se, transformar-se em ciclos que não consigo sair. Mas um momento de tranquilidade e êxtase como esse era raro. Senti cada parte do meu corpo. Senti minha mente livre.
Desejei viver em um tempo diferente, cercada por coisas simples. De repente sente-se a vontade de ser feliz. E estar preparada para ser.
Sinto estar tomando um veneno lento. Ou um remédio de efeito passageiro.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Talvez seja pecado apostar na alegria

O que fazer? O que fazer em uma sexta à noite em que a casa cai , a solidão implica, o corpo gela, a boca amarga ? O que posso fazer eu? Apenas olhar este quarto que habito, que já é quase como um companheiro, observar meus pés, minhas mãos, minha cara lavada, o telefone que toca e não atendo, ouvir Ernesto Cortazar  e sonhar que um dia serei livre, que posso ser como aqueles que invejo, que um dia irão respeitar minha opinião, meus gostos e quem sabe entender meu jeito. Que eu não seja crucificada pelo gozo da minha felicidade.Que um dia eu possa tomar banho de chapéu, errar o caminho da universidade, beber vinho no teatro, dançar e cantar baladinhas de rock, rir um riso inocente, ler um livro em uma praça antiga à beira-mar.Que não haja imposições, restrições ou compromissos, que eu possa deitar sobre a grama e sentir o cheiro de mato , ficar parada , sem nada falar , ser integrada à natureza, chorar abertamente, saber dizer o que sinto, percorrer de Norte à Sul, cruzar a linha do equador, ter um filho , rodar a saia, beijar o espelho, abraçar uma árvore, conversar com os pássaros, tudo isso sem o perigo de ser chamada de louca. Ser livre pra ouvir o dialogo das formas e das cores. Lutar pelo direito de viver.
 Por isso vivo , ou sobrevivo.

quinta-feira, 15 de março de 2012


Esquece tudo
Esquece a dor
Esquece a raiva
Esquece principalmente o amor
Esquece o que passou
Esquece o que virá
Esquece o telefone que não toca
Esquece a voz que te silencia
Esquece a sua impotência
Esquece também a oportunidade desperdiçada
Esquece a vontade
Esquece o desejo
Esquece o sono e a insônia
Esquece as estrelas
Esquece os solos de guitarra
Esquece as insinuações
Esquece os erros de português
Esquece a noite em que tudo começou
Esquece o dia em que tudo terminou
Esquece ...

 

sexta-feira, 9 de março de 2012

Inspiração

Se ela me deixou a dor,
É minha só, não é de mais ninguém
Aos outros eu devolvo a dó
Eu tenho a minha dor
Se ela preferiu ficar sozinha,
Ou já tem um outro bem
Se ela me deixou,
A dor é minha,
A dor é de quem tem...


É meu troféu, é o que restou
É o que me aquece sem me dar calor
Se eu não tenho o meu amor,
Eu tenho a minha dor
A sala, o quarto,
A casa está vazia,
A cozinha, o corredor.
Se nos meus braços,
Ela não se aninha,
A dor é minha, a dor.


É o meu lençol, é o cobertor
É o que me aquece sem me dar calor
Se eu não tenho o meu amor,
Eu tenho a minha dor
A sala, o quarto,
A casa está vazia,
A cozinha, o corredor.
Se nos meus braços,
Ela não se aninha,
A dor é minha, a dor


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